foi no sábado, quando mal chegámos à Casa das cores com uma montanha de sacos às costas e sem nada esperar em troca, que senti uns pequenos braços a enrolarem-se ao meu redor. uma força no abraço, um aperto de felicidade acabava de chegar a mim com a maior das surpresas - não sabia de um amor tão grande. era a Joana (ou a "menina dos apertos", como lhe gostam de chamar), a quem se seguiu o Rafael ou a Patrícia. eram sete, no final de contas, uns mais pequenos que outros, mas todos com o seu grande sorriso de orelha a orelha - mal adivinhava eu que era por nos verem. já andávamos a preparar esta visita desde há umas semanas para cá e confesso que, de início, me parecia a coisa mais normal do planeta, a acção mais mundana, uma viagem tão comum: não podia ter sido mais singular. estavam decididas desde o início, entre as quatro, as tarefas que cada uma ia desempenhar, os jogos que havia a aventurar e o que podíamos levar. era tanta a inexperiência que contávamos pelos dedos das mãos as vezes que cada uma de nós tinha lidado com crianças tão peculiares, se não ficávamos de punhos cerrados era sorte divina. mas aterrámos no sítio certo, depois de tantas voltas perdidas só podia querer dizer qualquer coisa; entrámos cheias de audácia, carinho, pescoço erguido e muito afago nos bolsos - o resultado não se podia ter mostrado mais nobre, tão especial. era inevitável, não existia volta a dar, os laços já estavam prestes a aliar-se, mais uma palavra e só mais um olhar, uma soma muito segura que só podia resultar em apego. já tínhamos as nossas princesas e príncipes, cada uma com o seu conjunto de pequenas pessoas, que tão rapidamente esqueciam os nossos nomes como se lançavam para o nosso regaço com toda a graça. nunca ouvi tantas vezes o meu nome, trocado ou não, prometido com tanto afecto. nunca vi três irmãos com os mesmos olhos verdes, nem presenciei tanto agradecimento do muito valor que estas crianças dão à vida. nunca me consciencializei tão bem como neste dia, do que é precisar de amor e só lhe conseguir chegar às vezes porque a estante é tão alta, que sempre que crescemos o suficiente alguém avança e nos tira tudo de novo. mas estas crias têm um abrigo, uma casa com mais irmãos, sabem falar de partilhas melhor que um partilhador profissional. e fizeram-se máscaras com purpurinas, no meio de beijinhos meigos, e de um carnaval mais preenchido; comeu-se bolo de chocolate com a boca cheia, disseram-se impropérios à mesa, formaram-se sorrisos onde um dia só existiram tristezas. ao meu coração, foi mais difícil sair do que entrar, acabar do que começar, dizer adeus do que ter vergonha. prometemos que voltávamos, com mais felicidade nos sacos, nas malas, nos bolsos - onde quer que coubesse, voltávamos. e mais que isso, prometi-me que me ia tornar voluntária: porque muito melhor que ser neurocirurgiã e salvar vidas, é realizar os desejos de alguém que nunca tocou em nada do que para nós é trivial, tão vulgar. cá para mim até podem existir muito boas sensações, regozijos, contentamentos fúteis ou saciedades para a vida, mas não há nada como acolher o sentimento de felicidade que o amor nos dá em troca: de imediato, nunca falha.
*todos os nomes referidos são fictícios.
4 comentários:
Arrepiaste-me com este texto! Acho que fazes muito bem, também gostava de ter a oportunidade de experimentar o voluntariado...
Ajudar é lindo, só experimentei fazer voluntariado em canis e tudo a ver com animais, mas acho que é este ao que me ponho num projecto assim com um grupinho.
Fazer um grupo desses na blogosfera é que era!
Eu já fiz no Lar Luísa de Canavarro, é uma sensação única!
É fantástico ver o sorriso das crianças, e no meu caso das mães também, elas ficam mais felizes que nunca!
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